Chuva, neve, poeira...

Nunca gostei das paradas no meio do caminho de Araraquara para Americana. Quase seis anos de viagens semanais e muitas vezes eu desejei ardentemente que São Carlos simplesmente não existisse e, por isso, o ônibus fosse direto da rodoviária do "meu mundo" para a rodoviária da minha cidade de sempre. Nunca havia gostado, até ontem.
Uma fome danada de quem teve preguiça de fazer comida. Uma vontade de ir ao banheiro de quem errôneamente bebeu umas três garrafas d'água antes de sair de casa. Paramos então no posto. Vinte minutos.
"Como se fosse uma vibração, não um ser", desci do ônibus sem pressa e em minha cabeça ecoava esta frase, de um conto que eu havia acabado de ler, de Caio Fernando Abreu. "Como se fosse uma vibração...".
Havia alguns cubículos de vidro, dentro dos quais podíamos nos sentar para comer. Vários deles estavam cobertos por plásticos pretos, por conta da reforma e limpeza do posto. Me sentei, sozinha, no único que ainda estava descoberto. Plásticos pretos não me agradam.
"Como se fosse uma vibração, não um ser", comecei a comer meu salgado e a frase de antes dava lugar aos sussuros e dedilhados da música de fundo: "dust in the wind...".
Foi aí que percebi a verdadeira razão dos plásticos pretos. O teto do lado de fora estava sendo lavado. E eu tive a sorte de estar num cubículo aberto. Milhões de pequenos brilhos dançavam no ar e alguns - poucos - ficavam parados no vidro. Muitos, muitos brilhos... chuva, neve... "dust in the wind...all we are is dust in the wind".
Fiquei ali, parada, olhando tudo aquilo. Presa no meu silêncio, mas, ao mesmo tempo, cantando por dentro e pensando que era uma pena que as outras pessoas, dos cubículos ao lado, estavam sendo privadas de ver aquela cena linda, pois estavam cobertas por plásticos pretos.
Pensei nisso e em muito mais. Aquilo tudo que a gente pensa em momentos impressionantes e depois mal sabe como pensou tanta coisa em tão pouco tempo.
Gotícula por gotícula, os minutos se passaram... dez... quinze... Era hora de voltar.
Ainda tive a delicadeza de passar bem pertinho da chuva, da neve, da dança, da leveza. Pequenas gotinhas em meus rosto. Com elas, vinha o vento...bom, muito bom...
Aquilo, que parecia tão tolo para quem trabalhava, me encantou muito. E, "como se fosse uma vibração, não um ser", subi no ônibus e senti o gosto e a textura do chocolate que havia comprado, derrentendo, sem pressa, na boca. O motor voltou a funcionar. Em breve deixaria para trás as milhões de gotinhas... os milhões de pensamentos.
Tudo pronto para partir e, agora, o som que ecoava no posto e os sussurros que ficavam na minha mente diziam, sem mais, "but I still haven´t found what I´m looking for..."
E eu repeti, até o fim do chocolate e até abrir o livro novamente, that I still haven´t found what I´m looking for...
Logo eu, que nunca gostei das paradas no meio do caminho...
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